Evangelho - Jo 8,1-11Naquele tempo:
1Jesus foi para o monte das Oliveiras.
2De madrugada, voltou de novo ao Templo.
Todo o povo se reuniu em volta dele.
Sentando-se, começou a ensiná-los.
3Entretanto, os mestres da Lei e os fariseus
trouxeram uma mulher surpreendida em adultério.
Colocando-a no meio deles,
4disseram a Jesus: 'Mestre,
esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério.
5Moisés na Lei mandou apedrejar tais mulheres.
Que dizes tu?'
6Perguntavam isso para experimentar Jesus
e para terem motivo de o acusar.
Mas Jesus, inclinando-se,
começou a escrever com o dedo no chão.
7Como persistissem em interrogá-lo,
Jesus ergueu-se e disse:
'Quem dentre vós não tiver pecado,
seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra.'
8E tornando a inclinar-se,
continuou a escrever no chão.
9E eles, ouvindo o que Jesus falou,
foram saindo um a um,
a começar pelos mais velhos;
e Jesus ficou sozinho,
com a mulher que estava lá, no meio do povo.
10Então Jesus se levantou e disse:
'Mulher, onde estão eles?
Ninguém te condenou ?'
11Ela respondeu: 'Ninguém, Senhor.'
Então Jesus lhe disse:'Eu também não te condeno.
Podes ir, e de agora em diante não peques mais.'
Comentário
Acho que o trecho joanino da adúltera seja a melhor leitura para preparar-se á semana santa. A primeira leitura, que nesse domingo a liturgia nos propõe, faz parte do “segundo Isaías” (capítulos 40-55) em que o profeta fala da volta do povo de Israel do exílio em termos de “segunda criação”, ou seja, Deus irá fazer para eles “coisas novas”: “Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis?” (Is 43,19a). Podemos assumir este comportamento de Deus como paradigma da história da salvação: toda vez que o povo de Israel se demonstrou infiel, Deus fez “uma coisa nova” para superar a infidelidade do povo e continuar a ficar ao lado do dele. Jesus, que é a nova e definitiva aliança, na cruz vai realizar “a coisa nova” com que Deus definitivamente demonstra o seu rosto de pai misericordioso e o Evangelho de hoje nos explica o sentido daquilo que irá acontecer na paixão, morte e ressurreição de Jesus. O quarto evangelista na sua narração se coliga continuamente ao Antigo Testamento, portanto Jesus e a adúltera “simbolizam” Deus e o povo de Israel, onde o pano de fundo é a aliança entre Deus e o homem. O começo da narração corresponde àquilo que no começo chamamos de “paradigma da história da salvação”: o povo de Israel infiel (a adúltera) e Deus apaixonado pelo homem (Jesus). Todo o mundo está acusando a mulher adúltera (vv. 4-6a), mas Jesus não responde e começa a escrever com o dedo no chão (v.6b). O homem foi criado do chão (Gn 2,7: argila do solo), portanto eu acho que Jesus está repetindo a ação de Deus na criação, ou seja, Ele vai fazer uma “coisa nova”, Ele vai doar á adúltera uma “segunda criação”; é como se Jesus estivesse re-criando o ser humano. Como o pai da parábola (Lc 15,11-32) que não prestou atenção ás palavras do filho, mas considerou mais importante abraçá-lo, assim Jesus não presta atenção ás acusações porque o importante é reencontrar aquela filha que se perdeu. Quando os acusadores foram embora Jesus diz: «Ninguém te condenou? ». “Ela respondeu: «Ninguém, Senhor». Então Jesus lhe disse: «Eu também não te condeno [...]»” (Jo 8,10-11). Aqui Jesus está repetindo as palavras do profeta Isaías na primeira leitura: “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos” (Is 43,18). Para os acusadores a coisa importante é o pecado, mas para Jesus a única coisa importante é reencontrar aquela filha! Depois daquele encontro a adúltera poderá exultar com as palavras do salmo: “Mudai a nossa sorte, ó Senhor, como torrentes no deserto” (Sl 125,4) e começar uma nova vida tendo como pano de fundo as palavras de São Paulo: “Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente” (Fl 3,13). O encontro entre Jesus e a adúltera é um dos exemplos mais lindos da misericórdia “em ação”. Na sexta-feira santa, no Calvário, irá acontecer o mesmo encontro: o homem infiel e Deus que fiel á aliança que selou com o homem, doou até o seu Filho Unigênito (Jo 3,14), para reencontrar cada um dos seus filhos. Tem mais. Aquele reencontro é uma “segunda criação” porque no Calvário é atualizada a força das origens: é como se Deus voltasse para o jardim em Éden (Gn 2,8) recomeçando a própria história com o homem (João começa e conclui a narração da Paixão no jardim 18,1 e 19,41). “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos. Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis? ” (Is 43,18-19a). Há “coisa mais nova” da cruz? Há outra coisa além da cruz que permite de esquecer-se das “coisas passadas e dos fatos antigos” e reencontrar o próprio Pai? A cruz revela que todo homem é “adúltero”, mas Jesus na cruz nos dá a mão e nos levanta do chão como fez com aquela mulher. Os acusadores da mulher viram somente o pecado e não conseguiram ver “a coisa nova” que Jesus estava realizando. Temos uma semana, aquela santa, para acolher “a coisa nova” que Deus vai realizar em Jesus, de modo que no Calvário irá realizar-se o reencontro entre um Pai apaixonado e o seu próprio filho.
