Estamos no Domingo de Ramos e a liturgia nos propõe o relato da Paixão de Jesus segundo Lucas, aonde Jesus chega ao fim do seu ministério público e se entrega totalmente cumprindo a vontade do Pai. Temos dois grandes momentos na narração: a entrada de Jesus em Jerusalém (19,28-40) e a Paixão e morte (22,14-23,56). Quero convosco refletir sobre o comportamento da “multidão”. A multidão ficou “admirada” com Jesus desde o começo do ministério público e se pôs no seguimento d’Ele (Lc 4,42b). Em qualquer lugar Jesus ia, uma grande multidão estava atrás ou ao redor d’Ele (Lc 5,15; 6,17-18; 7,16-17; 8,1-4.19.40; 9,12.43; 11,29; 12,1; 13,17; 14,25; 19,3) e quando Jesus
entra em Jerusalém as pessoas estendem as suas roupas pelo caminho e gritam de alegria (Lc 19,36), exprimindo claramente o próprio consentimento. Como é possível que aquela mesma “multidão” chegará a gritar “Crucificai-o!” (Lc 22,21.23) depois de alguns dias? O comportamento de Pedro vai à mesma direção: no começo ele confia em Jesus (Lc 9,20) e depois chega até renegá-lo (Lc 22,54-62). No comportamento da multidão e de Pedro, podemos ver o nosso mesmo comportamento com Deus. A multidão e Pedro logo creram em Jesus porque viram os seus milagres e portentos; pensaram que Jesus fosse o Messias esperado para restaurar, politicamente, Israel. Só tinha um problema: eles se fizeram uma imagem de Jesus segundo as próprias necessidades, mas aquela imagem era um “ídolo” e não aquela verdadeira do Filho de Deus. Eles imaginaram um Messias político, guerreiro, poderoso e não o Filho do Homem, servo sofredor (Is 52,13-53,12). Quando eles tomaram consciência que Jesus não era um “líder político”, a fé deles começou a “vacilar” e quando chegaram as primeiras “complicações” não conseguiram ficar fieis e o abandonaram. Nós também, muitas vezes, cremos num Deus que com a “varinha mágica” resolve as situações, sempre pronto para satisfazer os nossos desejos e quando Ele não responde aos nossos pedidos, logo nos cansemos d’Ele perguntando-nos: “Onde você está? Porque não me escuta?”. Outras vezes cremos num Deus que é importante somente quando nós precisarmos d’Ele, ou, ainda pior, num Deus que gosta de nos castigar com o sofrimento. Mesmo Jesus não acreditava na fé dessas pessoas (Jo 2, 23-25). Uma fé que procura a Deus somente quando precisar d’Ele é uma fé sem relação, portanto é uma relação “morta”. Jesus veio trazer o verdadeiro rosto de Deus que é o amor e a misericórdia e estes dois elementos pressupõem uma relação vera, viva, plena. Se eu creio em Deus porque Ele realizou um milagre, eu fico com Ele porque acredito que em qualquer momento possa cumprir outro portento, porém não fico com Ele por amor. Jesus veio nos dizer que Deus nos ama, que Deus está esperando a nossa resposta, que Deus está sedento do nosso amor, que tudo aquilo que Deus deseja é relacionar-se com os seus filhinhos. Em Jesus o Amor em pessoa veio no meio de nós: mas o que torna verdadeiro o amor? A fidelidade. E Jesus nos amou “até o fim” (Jo 13,1). Tentemos nos perguntar: o que não pode faltar na vida de uma pessoa? Eu acredito que seja o amor. Aristóteles disse que o homem é um “animal político (pólis)”, no sentido que a pessoa humana não pode viver sem relacionar-se com alguém. A pessoa humana precisa de amor mais de qualquer outra coisa: se na própria vida tem falta de amor se começa a procurar um “substituto” para preencher aquele “vazio”. Jesus podia libertar (politicamente) Israel, mas Israel não seria sido verdadeiramente livre: "Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (Jo 8,31-32). A verdade é esta: existe um Deus que nos ama antes que nós nascêssemos (Jr 1,5a); que para demonstrar o seu amor para conosco sacrificou aquilo que havia de mais precioso (Jo 3,16); que cuida de cada um de nós (“Eis que te gravei nas palmas da minha mão [...]” -Is 49,16-; veja também Is, 43,4; Lc 12,6-7; Mt 6,25-34). Num determinado momento Jesus teve que escolher; escolheu o amor porque “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). Por isso a cruz não é um “incidente de percurso”, mas a maior maravilha do amor de Deus. A partir de hoje temos sete dias para refletir sobre o binômio cruz-amor. Se aos pés da cruz não fugiremos, significará que teremos entendido o gesto de Jesus, portanto no dia de Páscoa poderemos com as mesmas palavras de São Tomas (Jo 20,28), rejubilar “com uma alegria inefável e gloriosa” (1Pd 3,8), porque o Amor ter-nos-á transfigurado, ter-nos-á libertado de verdade.